sábado. lá fora o silêncio da noite, lá fora uma noite como outra qualquer. senta-se, uma vez mais, ao computador para escrever. as pontas dos dedos deslizam pelo teclado, mais depressa que o pensamento. as palavras sempre souberam olhá-lo por dentro e por fora. condenado a escrever, condenado a saber a saber mais e mais, alguma coisa quer fazê-lo acreditar que o conhecimento é a sua única forma de sobreviver. está assim há dias, anos, não sabe já determinar quanto tempo, o tempo perdeu-se no tempo virtual, só as páginas contam. a ideia de fim.
as ideias assaltam-me, fragmentadas e dispersas. há tecidos espalhados em vasos lá fora onde as plantas um dia tentaram crescer. as flores plantadas morrerram, sobrevivem apenas ervas daninhas que se apoderam de um espaço.biscoitos. dias-de-sol. dias-de-chuva. lareira acesa. viagens em línguas incompreensíveis. memórias. sorrisos. rotinas. domingo. ideias. amanhã. futuro. o amor.
sabe que não poderia ser diferente. deixou a imaginação voar e conduzi-lo por caminhos agora tão impossíveis. chora. o momento é tão insustentável como ele próprio. pergunta-se o que o mantém ali. que teias o mantêm no caminho que queria não ter escolhido. quis ousar a diferença, a liberdade de ser ele próprio.
um dia acreditei contigo que iria ser diferente. que um projecto seria um acontecimento, que lutaríamos juntos até ao fim. estou só. a noite adensa-se e o vazio é uma espécie de sanguessuga. está frio e não sei resolver o impasse. porque desejei tanto? porque desejei um dia?
o ecrã espera por mais uma letra, um ponto, um capítulo encerrado e concluído. levanta-se e sai. sem esperança, sem palavras, sem ideias. só assim.
onda sonora: primavera – the gift