segunda-feira, março 27, 2006

"it seemed a place for us to dream"

a escuridão da noite, a voz melodiosa que se arrasta, a música quase viva persegue-me. sou obrigado a partir, talvez numa viagem até ao passado que não sei querer recordar.
a paixão morreu, o lugar dos sonhos desapareceu, parte de mim adormeceu contigo.
ontem revivi-te sem querer. ontem, a minha casa foi incendiada. não tenho mais onde morar.

onda sonora: narcoleptic - placebo

segunda-feira, março 20, 2006

carta

sei que o dia de nos encontrarmos chegará em breve. apesar de te ir conhecendo, tenho um medo terrível de me desiludir. o futuro tem-me dado algumas pistas, todas elas assustadoras. sei que és única. mas ainda não encontrei o que há de bom nessa exclusividade. por vezes sinto que estás a fugir-me, que caminhas para um abismo onde te queres refugiar do mundo. e a mim? o que me resta? só perder. derrotar-me e derrotar-te.
às vezes penso que a tua dor foi mais forte que tu. a sensibilidade madura, a inteligência relacional e dos sentimentos, que te definiam converteu-se agora numa frieza cadavérica – nada te choca, nada te move, nada te emociona. já poderias ser uma massa inerte e, no entanto, pareces ficar satisfeita. decerto que algo está a acontecer. só assim posso justificar essa tua passividade.
a única coisa que me descansa é o brilho dos teus olhos – ainda te restas. mesmo assim não consigo deixar de temer por ti. és a âncora de todos. e tu?, o teu porto parece estar distante e a tempestade aproxima-se. tenho esperança num sol por entre as nuvens.

encontrar-me-ei comigo no futuro próximo. as incertezas desaparecerão pela impossibilidade de coexistirem com a verdade de mim. a originalidade provavelmente não terá hipótese contra a necessidade imperativa de sobrevivência que dita a igualdade. pergunto-me se cederei à loucura de seguir o caminho que desejo. e cá dentro há um medo brutal de falhar o alvo, de voltar à indiferença. sossega-me saber que o abrigo desta vez é mais seguro, apenas um pouco mais.

domingo, março 19, 2006

as poesias de cada um são infinitas

gosto desta fidelidade das palavras, desta exactidão na organização das frases.
gosto destes significados que se multiplicam sempre que volto a ler (estas e outras prosas).
gosto de pensar que são todas minhas, as palavras, nunca me pertencendo por inteiro.
gosto de sentir que são de toda-a-gente, que se completam em cada alma, e que lembram um sonho a alguém que eu não conheço e que não me conhece, que dão uma esperança ainda que ínfima a quem já nada espera, que criam sorrisos ou que fazem perder uma lágrima a alguém. as palavras são as mesmas, as frases também, contudo as poesias de cada um são infinitas.
gosto de saber que só há uma maneira de ler – a nossa. e é tão própria, tão única e tão diversa quanto nós. e é isso que dá sentido a esta partilha de expressões egoístas – quem as lê na sua vida, dessa maneira tão particular que eu não posso sequer inventar ou imaginar.

gosto de acreditar que é assim que acontece, para que o catavento continue a girar.

sábado, março 11, 2006

o primeiro minuto

naquele momento só tu contas, só tu és importante. conhecemos-te pela primeira vez. não te imaginámos assim, da cor da morte. e agora ainda que feio, só conseguimos gostar de ti. foi tão difícil chegar até aqui. pensámos que o derradeiro momento seria diferente. a dor mais que física é a dor de nos separarmos de ti. a dor de já não seres apenas nosso. agora apenas a ti pertences.

havia uns sons, que agora sei serem vozes, nada fazia sentido. mas não me sentia perdido, era como já conhecesse aquelas presenças. e apenas pude sorrir. não recordo o rosto que vi pela primeira vez, recordo sim o tacto daquela pele macia. é isso que me abraça quando não consigo dormir. é só isso que me acalma quando choro. e aquele amor, pairava por ali. como vou esquecer aquela felicidade? está calor, mas não aquele calor envolvente que havia antes daquele momento. esse nunca mais aconteceu. ouvi dizer que esta dor se chama crescer.

durante tanto tempo preparei a tua vinda. o tempo foi passando. estudei tudo o que poderia acontecer. previ o acontecimento seguinte com a capacidade de uma vidente experiente. às vezes lia as estrelas, mas nunca vi a dificuldade, nunca percebi o que aconteceria quando chegasses. e agora que aqui estás junto a mim, nada é como imaginei. abraço-te. sei que és capaz de me ler os pensamentos e por isso tento só pensar em ti. como será crescer contigo?levam-te e cedo à angústia. tenho medo de te perder.

um passeio pela cidade

não há direcções a seguir. as construções povoam os espaços e impedem a passagem totalmente aleatória. mas não se pode negar como gostamos de nos esconder por detrás desses muros. de nos fingirmos cegos, para depois nos quedarmos deslumbrados no que está para lá das altas paredes e das estranhas esquinas.

há fadas que esvoaçam. há duendes, gnomos...casas de chocolate, de doces. é possível viajar até às nuvens e ver o sol nascer de perto. as bruxas existem – conseguimos ouvir o seu riso estridente ao longe. conhecemos o medo e também a coragem.

jardins, monumentos, abelhas, restaurantes, sapatos, bares, ruas sombrias, flores, iluminação nocturna, bancos, pessoas – gentedenegócios, artistasderua, mendigosdojardim, trabalhadorescomuns, gentevelha, criançasderua, apenaspessoas, relógios, ambientes, pedras, roupas, estilos, sons... todas as coisas, todos os lugares, todos os tempos se concentram - preto no branco, branco no preto. a preto e branco, a não cor. ninguém consegue ver o momento paralelo à distância de um sorriso, de uma recordação feliz, de uma esperança no futuro melhor.

encanto. predomina a cor. enche o ecrã, onde se movem os personagens. e também nós ali estamos e sem esperarmos, acontecemos. a simplicidade. os pormenores. só podemos querer ir por ali.

por detrás daquela esquina é paris, talvez a terra do nunca.


onda sonora: le fabuleux destin d’amelie poulain - yann tiersen

ando por aí

há dias que me consomem. de tão ausentes. de tão intensos. e nada mais existe. nada mais há a dizer. tudo acontece na realidade, só acontece onde ninguém vê. julgam-me desaparecido mas estou por aí: ocupado a viver.