sexta-feira, junho 29, 2007

felicidade de PVC

é no amargo que sorrio. cansado já da facilidade dos dias. a facilidade do consumo de uma emoção rápida e instantânea, como se nada houvesse para além do instantâneo. apesar de tudo, o imediato é o que sabe melhor. achamo-nos bons, mesmo bons quando conseguimos rir quando todos riem… que pode haver mais que nos preencha?
cansado, estou cansado da pseudo-intelectualidade. do acreditar que noutro lugar será melhor, porque o nosso canto esgotou a novidade e porque aí todos os outros ficaram parados no tempo menos nós que entrevemos a possibilidade de evoluir noutro lugar… onde tudo será moderno e inovador.
a comida mastigada que me põem todos os dias no prato, enerva-me tal como a pressa com que me obrigam a comer e servem outro e outro e outro…em série. como se fossemos todos máquinas, com as mesmas necessidades, os mesmos gostos e ambições.
servem-nos a felicidade de PVC e todos sorriem – ou não fosse o melhor que nos podia acontecer!

segunda-feira, março 12, 2007

sal

o som dos fados chega-me arrastado.
recordo o dia da partida. um dia qualquer de Inverno que aconteceu sem se dar por isso.

vagueio pela cidade que não me conhece. procuro as ruas estreitas tentando encontrar o mistério que sempre mora nesses sítios e que me fazem recordar…
conto-te, cidade, apenas por estar só.
a distância que prolonga a ausência mata-me por dentro. a palavra regresso é vaga e indeterminada. às vezes nunca se regressa de onde se partiu. Outras fica-se prisioneiro de para onde se partiu. o espaço que tinha guardado para a saudade vai-se perdendo. é este frio gelado que me torna pedra e destrói cada pedaço de quem fui. o tempo leva ao esquecimento e a vida quer negar-se nessa inexistência de emoção.

o som da portuguesa guitarra desaparece a cada acorde, o sal das lágrimas sabe a mar – sabe a saudade.

onda sonora: chuva - mariza

domingo, fevereiro 18, 2007

ruína

a nota que apaga
a partitura que perde
o ritmo que descompassa
a casa que cai
a noite que chega
a destruição que acontece
o negro que pinta
a tristeza que morre
a solidão que renasce

a ruína que a ama

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

despedida (em três actos)

1.
sobramo-nos já
gastámos todas as palavras
gastámos todos os amores
gastámos a diferença dos dias
gastámos os olhares e as descobertas

2.
fazemos as malas
sem fotografias
não nos vamos encontrar
hoje não
amanhã também
vamos por ruas diferentes
à procura do adeus


3.
espero-te
naquele lugar perto do rio
já encontrei as asas livres
quero gastar todas as saudades
quero gastar todos os adeus
contigo

sexta-feira, janeiro 12, 2007

o castelo

está já escuro. ao longe ouvem-se gritos guerreiros que o acordam. o cenário é sinistro. muitas árvores sem folhas. apesar da noite distingue os recortes dos ramos, encolhe-se dentro das roupas, com medo. as roupas que tem vestidas são estranhas. pertencem a outro tempo mas ao mesmo tempo aparentam uma certa modernidade que não lhe permitem dizer de que época são. não acredita em viagens no tempo. não sabe como foi ali parar. lembra-se vagamente de um museu. lembra-se de uma energia inegável de tão forte que se mantém agora na sua confusão.
os gritos parecem ser mais fortes, ao mesmo tempo parece ouvir sussurros atrás de um tronco robusto. quer investigar mas as pernas tremem-lhe. será que está mesmo noutro lugar? contudo alguns pormenores são-lhe familiares.
a custo rasteja para trás de um outro tronco e respira fundo. as vozes estão cada vez mais próximas. aproximam-se cavaleiros armados com lanças e com escudos. trazem tochas que iluminam aquele lugar. são cerca de dez. com eles vêm também uns vinte soldados. parecem discutir. talvez uma estratégia de ataque. não consegue perceber. pouco tempo depois são atacados por guerreiros que parecem estar deslocados de época, falam francês e vestem-se com as roupas do exercito francês no tempo de Napoleão.
deixa-se ficar escondido atrás da árvore. aparecem mais homens. ouve palavras em húngaro e alemão. alguns falam italiano. estes últimos parecem vir do inicio do século XIX. está cada vez mais aterrado. os homens gritam todos ao mesmo tempo. não se conseguem entender.
ninguém consegue encontrar o adversário certo. afinal estão todos do mesmo lado. mas em tempos diferentes. olham para as roupas uns dos outros e não encontram as armas equivalentes. uma lança e flechas, armas de fogo e guarda-chuvas que escondem setas envenenadas e livros não têm o mesmo peso. os homens olham-se boquiabertos. e ficam assim por muito tempo. sorriem e regressam ao castelo no cimo da colina. já é seguro regressar a casa. é seguro quando se fala em liberdade.
sai do esconderijo e tenta seguir os homens.
só se lembra de acordar dentro do castelo. está sozinho. levanta-se e sai pela porta que diz exit.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

vou ter saudades dos assadores de castanhas...