deviam ser umas cinco da manhã, quando chegaste. nem sei porque vieste. eu não te esperava.
despes a tua camisola preta, lentamente, como se o tempo fosse para ti, infinito. observo os teus movimentos lentos, quase sedutores e perco todos os significados que inventei para as emoções e para os sentimentos.
ficas nua, à minha frente. eu só consigo sentir a perplexidade de não te conhecer. choras. porquê? é a pergunta que o meu corpo insinua. respondes com mais uma lágrima salgada e um olhar angustiado. choro por ti, por nós, não sei, dizes-me. também eu choro, com medo da solidão que se aproxima; depois pela distância que a tua nudez tenta desmentir.
agora eu…
agora dispo a minha roupa sem hesitar.
olhas-me atenta. o meu rosto índio encontra-se com o teu. os cabelos negros e compridos, as peles escuras… encontramos quase a simetria perfeita. todos os pontos dos nossos corpos coincidem, a face, os braços, as mãos, os dedos, o tronco, o sexo, as pernas, os pés, tudo.
dançamos ao som de uma música que não conheço. poderosa, demasiado brutal para ser ignorada. a sintonia parece acontecer. doem-me as pernas, e os braços, acho até que me dói a alma, mas não consigo parar, não consigo desistir do que ainda não conheço. procuro um livro, ao acaso – leio-te kafka, depois cervantes, stendhal, neruda, pessoa, auster…ficamos horas assim, submersas nas palavras.
depois tu…
abraças-me. nesse momento sou uma criança pequena órfã de amor. e tu sabes cativar-me. convenço-me de que ficarás comigo. é nisso que quero acreditar. dou-te a mão e a adormeço nesse calor de quem confia. a mão que me dás já não me fere como antigamente, devolve-me, antes, a consciência do eu que já não reconhecia em mim.
a exaustão dos dias deixa-me imóvel, como uma estátua. sem querer descubro aquela música que dançámos e que sei de cor. encontro-a no meio de milhares de pessoas que a cantam quase como se fosse um grito de guerra (e talvez seja mesmo o grito da guerra de cada um). por entre as vozes distingo a tua. vem de longe. talvez seja um eco dentro de mim, talvez sejas mesmo tu que estás por ali. recordo-me daquele dia. as imagens sucedem-se rápidas e impiedosas. alguém no palco se mexe, com gestos amplos e pacientes, como os teus naquele dia. choro. sorrio. sei que foi nas tuas lágrimas que um dia encontrei a minha casa.
onda sonora: tool (live in SBSR, 26maio2006) - stinkfist
domingo, maio 28, 2006
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2 comentários:
uau Bee. Lindo. Das coisas que escreveste foi a que mais me tocou. lindo. profundo, arrepiante. Adorei. muito mesmo. Adoro-te. És cada vez mais um mundo de sensibilidade a transparecer. Eu sei. Eu sempre soube.Adoro-te*
"Elbow deep inside the borderline.
Show me that you love me and that we belong together.
Shoulder deep within the borderline.
Relax! Turn around and take my hand..."
beijo
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