o sol passa pelas frestas das tábuas de madeira, da barcaça modesta que lhe foi deixada. os espaços cada vez maiores deixam ver a luz do sol no verão, enquanto ele se deixa dormir, ao sabor do calor e da preguiça. no inverno, a água entra de mansinho e não os deixa afastar da costa. tão jovem e sonhava já com os tempos d’outrora, em que o peixe enchia as redes, nessa altura o cais era outra história. fazia-se lota em certos dias cheio de gente a vender e a comprar, parecia dia de festa. e a vida lá trazia de vez em quando uma guloseima.
aprendeu a lidar o mar, como quem domina toiro enraivecido. as mãos arranham como esfregão e não desdizem as tormentas que o acometem. a vida cada vez mais dura e as redes vazias, lá lhe trazem um peixito miúdo de quando em quando.
deixa-se ficar a admirar o rio e a pensar como hoje gostava de ter sido diferente. ido à escola, essas coisas… nas ruas chamam-lhe o filósofo. filósofo de mudez trazida pela água e pelos pensamentos que nunca soube ler e escrever e agora ainda que novo está velho para essas coisas. os miúdos gritam-lhe “eeeeh, ó velho, sai daqui?”, “oo, não trabalhas?” – ele até gostava de ter tido um filho. a olinda foi-se embora, à procura doutra vida, vida que é vida é nossa não é do mar, dizia ela. logo ela que era tão bonita. gosta de fechar os olhos para lhe lembrar o rosto e o peito e as ancas redondas que gostava de puxar contra ele, sim que ele também já foi Homem…
sexta-feira, março 12, 2010
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