o sol passa pelas frestas das tábuas de madeira, da barcaça modesta que lhe foi deixada. os espaços cada vez maiores deixam ver a luz do sol no verão, enquanto ele se deixa dormir, ao sabor do calor e da preguiça. no inverno, a água entra de mansinho e não os deixa afastar da costa. tão jovem e sonhava já com os tempos d’outrora, em que o peixe enchia as redes, nessa altura o cais era outra história. fazia-se lota em certos dias cheio de gente a vender e a comprar, parecia dia de festa. e a vida lá trazia de vez em quando uma guloseima.
aprendeu a lidar o mar, como quem domina toiro enraivecido. as mãos arranham como esfregão e não desdizem as tormentas que o acometem. a vida cada vez mais dura e as redes vazias, lá lhe trazem um peixito miúdo de quando em quando.
deixa-se ficar a admirar o rio e a pensar como hoje gostava de ter sido diferente. ido à escola, essas coisas… nas ruas chamam-lhe o filósofo. filósofo de mudez trazida pela água e pelos pensamentos que nunca soube ler e escrever e agora ainda que novo está velho para essas coisas. os miúdos gritam-lhe “eeeeh, ó velho, sai daqui?”, “oo, não trabalhas?” – ele até gostava de ter tido um filho. a olinda foi-se embora, à procura doutra vida, vida que é vida é nossa não é do mar, dizia ela. logo ela que era tão bonita. gosta de fechar os olhos para lhe lembrar o rosto e o peito e as ancas redondas que gostava de puxar contra ele, sim que ele também já foi Homem…
sexta-feira, março 12, 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
O baloiçar dos barcos atracados e o chiar das argolas fazem adivinhar a passagem de um barco maior. Levanto a cabeça para o ver passar, impressiona sempre, tanto peso tanta areia, tanto ferro a deslizar pelo rio baço e castanho. Tenho as mãos enrugadas e a cheirar a lodo. Espero que o baloiço acabe e volto a baixar-me para apanhar o resto dos camarões que ficaram debaixo do estrado do barco, ainda molhado por dentro da pesca.
Foi dia de ir ao cais com um saco de sardinhas mortas, ver gaivotas e dar uso aos camaroeiros. Manhã e tarde a convocá-los para o funil de rede. No final do dia, uma caixa pequenina de pequenos camarões meios transparentes, agitados pela secura que lhes calhou. Havia sempre espaço na caixa para mais aqueles do chão do barco.
Hoje os camaroeiros estão podres e o chão dos barcos está seco e só quem ficou feliz foi o camarão.
Enviar um comentário