o tempo está a esgotar-se, apesar de ser cada vez maior. todos os dias lhe apetece querer correr até à parede azul, onde já se encontram outros artigos, outros pequenos fragmentos de vidas diferentes e distantes no entanto, procura conter-se.
diz-se daquela parede, que é pública, mas a privacidade parece querer roubar-lhe a designação e afirma-se num crescendo imperturbável. a censura procura diariamente o autor dos delitos, traduzidos em palavras inocentes, ou não. os papéis são também azuis, vendem-se correntemente em qualquer papelaria; melhor, em todos os estabelecimentos comerciais de todos os lugares. soube esconder-se, apenas o suficiente para não ser descoberto.
todos os excertos publicados são apátridas: não vêm da terra da certeza, nem da da incerteza, não vêm da terra do concreto nem da do abstracto, nem da terra do imaginário nem da da realidade, ao mesmo tempo, parecem chegar um pouco de cada uma delas.
de quando em vez nascem perguntas, outras vezes afirmações e nascem respostas e diálogos a partir de tanta coisa e de coisa nenhuma.
alguém escreve sobre catavento, a censura desconfia…contudo, catavento é qualquer coisa em via de extinção (já nem se sabe bem se é um objecto ou um animal, uma cidade ou um produto químico), na era da informação sempre segura e da segurança firme na escolha (?) de caminhos - o mesmo seria falar de ninguém.
a ele apetece-lhe escrever e escrever-se. não se livra daquela conotação autobiográfica que lhe define o estilo das prosas e das poesias. hoje, 25 de setembro, não irá até lá, à parede, como a vontade lhe manda, deixar-se-á ficar inerte. talvez mais tarde gostasse de escrever para comemorar. mas comemorar as tristezas e as alegrias de si mesmo, comemorar a indiferença e o desinteresse? mais uma vez não é feliz a encontrar justificações plausíveis e coerentes. pensa nunca se ter arriscado por si. os polícias andam por aí e hoje a censura atribui penas pesadas aos infractores. escreveu esperando a discussão, esperando a crítica, esperando algum amor pelas palavras e as emoções e sentimentos de desconhecidos. esperou encontrar novas perspectivas e novos trilhos. sonhou até com discussões acesas, fóruns abertos e muita partilha, mas não. começa acreditar na ilusão.
agora pensa se valerá a pena? não será tudo isto um exercício egocêntrico de se mostrar? não será tudo isto mais um capricho, uma vaidade dos seus idealismos? mais uma chamada de atenção, o acender uma luz sobre a sua existência?
o tempo é cada vez maior mas esgota-se célere. não resiste e corre até à parede. cola outro escrito de si. amanhã será diferente: talvez a censura o apanhe ou as forças que o animam, essas esperanças de que o sonho se realize se sumam.
a parede azul está cada vez mais vazia e em breve será derrubada.
*dazibao é um jornal de parede, tendo sido muito utilizado como instrumento de agitação ideológica no período de revolução maoísta.
quinta-feira, setembro 28, 2006
quarta-feira, setembro 13, 2006
o lugar dos ciprestes
as pessoas de semblante vestido de preto acabam por tingir as suas roupas de tonalidades semelhantes. o cortejo lento até aos ciprestes traz a incerteza: o tempo parou? ou estamos perante um compasso mudo?, uma pausa maior que semibreve?
chove. o cenário lembra um filme americano.
o silêncio não se impõe; é, antes, inevitavelmente interrompido por palavras vazias ou religiosas, nenhuma delas com sentido. naquela casa, o silêncio trazer-nos-ia decerto as lembranças do passado feliz. saberíamos sorrir e não lamentar. saberíamos apreciar e ser capazes de viver amanhã. os rostos choram, as bocas falam, numa tentativa de preencher as acções e os momentos que não aconteceram, de calar a voz interior que sussura que, hoje é já demasiado tarde para as recordações, impossibilitadas de se construírem depois.
é uma farsa, um teatro, talvez possa mesmo ser um exorcismo da culpa incómoda, que se instala e que cresce com o tempo (e a que se atribuí o nome de saudade, erradamente, para se prosseguir descansado).
a etapa dos ciprestes haveria de chegar natural e necessária como sempre, conferindo um sentido ou um fio condutor, para ti e para nós. Pergunto-me se este será o último capítulo ou apenas mais um entre tantos. Qualquer das duas hipóteses me conforta.
desta vez, nem sequer me interessa discutir as causas. nem sequer me interessa que pensem que estou louca por não desejar uma continuidade (ainda que triste e desesperada) mantida por uma medicina avançada, em lugar de uma paz merecida e serena (ainda que dolorosa para todos).
ouço as palavras do sacerdote, de que discordo na sua maioria, muito distante dali. estou ocupada a pensar em colares de pinhões e ameixas saborosas que apanhava quando tinha quatro anos, “como será possível viajar até tão longe?”. dou por mim a acenar sem querer quando concordo com aquela vontade de ser melhor hoje já. será que alguém o ouviu? ou o eco é um resultado do medo de não parecer bem?
os olhares indiscretos condenam-me a ser pedra: dura, fria e intacta. será que ninguém vê as marcas da erosão? será que não sentem o calor do meu corpo, que nem a chuva e o vento fazem desaparecer? contudo é na pedra que todos se apoiam, ignorando a superfície em transformação. alguém reconhece alguma vida por ali, um alguém singular e demasiado perspicaz.
às vezes dói-me esta diferença, por ser difícil, mas já não consigo fingir o que não sinto e também já não me importa.
choveu o suficiente, por mim. só senti falta daquela graça que dizias quando me vinhas visitar. essa ninguém quis recordar.
um destes dias, sei que vou visitar o lugar do cipreste, talvez uma vez por ano, como manda uma tradição qualquer e nem vais reparar. onde quer que seja a próxima casa, mesmo que seja infinitamente longe, a luz vai apenas acender em ti, quando eu me lembrar das ameixas e dos pinhões.
não queria estar ali e hoje teve de ser.
chove. o cenário lembra um filme americano.
o silêncio não se impõe; é, antes, inevitavelmente interrompido por palavras vazias ou religiosas, nenhuma delas com sentido. naquela casa, o silêncio trazer-nos-ia decerto as lembranças do passado feliz. saberíamos sorrir e não lamentar. saberíamos apreciar e ser capazes de viver amanhã. os rostos choram, as bocas falam, numa tentativa de preencher as acções e os momentos que não aconteceram, de calar a voz interior que sussura que, hoje é já demasiado tarde para as recordações, impossibilitadas de se construírem depois.
é uma farsa, um teatro, talvez possa mesmo ser um exorcismo da culpa incómoda, que se instala e que cresce com o tempo (e a que se atribuí o nome de saudade, erradamente, para se prosseguir descansado).
a etapa dos ciprestes haveria de chegar natural e necessária como sempre, conferindo um sentido ou um fio condutor, para ti e para nós. Pergunto-me se este será o último capítulo ou apenas mais um entre tantos. Qualquer das duas hipóteses me conforta.
desta vez, nem sequer me interessa discutir as causas. nem sequer me interessa que pensem que estou louca por não desejar uma continuidade (ainda que triste e desesperada) mantida por uma medicina avançada, em lugar de uma paz merecida e serena (ainda que dolorosa para todos).
ouço as palavras do sacerdote, de que discordo na sua maioria, muito distante dali. estou ocupada a pensar em colares de pinhões e ameixas saborosas que apanhava quando tinha quatro anos, “como será possível viajar até tão longe?”. dou por mim a acenar sem querer quando concordo com aquela vontade de ser melhor hoje já. será que alguém o ouviu? ou o eco é um resultado do medo de não parecer bem?
os olhares indiscretos condenam-me a ser pedra: dura, fria e intacta. será que ninguém vê as marcas da erosão? será que não sentem o calor do meu corpo, que nem a chuva e o vento fazem desaparecer? contudo é na pedra que todos se apoiam, ignorando a superfície em transformação. alguém reconhece alguma vida por ali, um alguém singular e demasiado perspicaz.
às vezes dói-me esta diferença, por ser difícil, mas já não consigo fingir o que não sinto e também já não me importa.
choveu o suficiente, por mim. só senti falta daquela graça que dizias quando me vinhas visitar. essa ninguém quis recordar.
um destes dias, sei que vou visitar o lugar do cipreste, talvez uma vez por ano, como manda uma tradição qualquer e nem vais reparar. onde quer que seja a próxima casa, mesmo que seja infinitamente longe, a luz vai apenas acender em ti, quando eu me lembrar das ameixas e dos pinhões.
não queria estar ali e hoje teve de ser.
sábado, setembro 02, 2006
as árvores morrem de pé
castanho claro é a cor da terra que rodeia e acentua o contraste dos paus nus e negros, que vejo da janela do carro em andamento.
ali, à distância de uns pequenos passos, estão os corpos de quem já foi gente. não se pára, não se abranda, nada. não há tempo sequer para contemplar. e talvez seja melhor assim. não se sai impune desse contacto. não se permanece incólume ao confronto com o fim.
o espectáculo encena-se amargo. os troncos gigantes assumem a sua posição póstuma. altivos, desprezam a devastação a que foram condenados. abraço-os com o olhar, estupidamente, pensando poder amparar qualquer coisa. rapidamente me rendo à pequenez perante aqueles que, impossibilitados de se refugiarem noutro local, se deixam ficar ao sabor do vento, morrendo de pé, ignorando os olhares indiferentes e a destruição imerecida.
ali, à distância de uns pequenos passos, estão os corpos de quem já foi gente. não se pára, não se abranda, nada. não há tempo sequer para contemplar. e talvez seja melhor assim. não se sai impune desse contacto. não se permanece incólume ao confronto com o fim.
o espectáculo encena-se amargo. os troncos gigantes assumem a sua posição póstuma. altivos, desprezam a devastação a que foram condenados. abraço-os com o olhar, estupidamente, pensando poder amparar qualquer coisa. rapidamente me rendo à pequenez perante aqueles que, impossibilitados de se refugiarem noutro local, se deixam ficar ao sabor do vento, morrendo de pé, ignorando os olhares indiferentes e a destruição imerecida.
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