domingo, dezembro 03, 2006

o astrónomo

morava numas águas-furtadas, num prédio velho numa zona antiga, já nos arredores da grande cidade. aborrecia-o a azáfama da cidade. todos os dias pensava em mudar-se para o interior, um lugar mais silencioso como lhe convinha.
lembrava-se vagamente de se sentir em casa. por vezes apareciam-lhe no pensamento palavras a que não conseguia atribuir significado, mas que lhe aqueciam o coração, lembrava-se de adormecer a ouvi-las... talvez fossem a sua língua mãe, uma língua desaparecida, talvez mesmo já morta. talvez não.
onde estariam os seus irmãos? onde estariam aqueles que falavam a sua língua? lembrava-se de sentir qualquer coisa especial quando olhava uma flor ou um pequeno pássaro a aprender a voar! na cidade nem havia vida para além dos homens.
o anoitecer era sempre um privilégio. no seu pequeno terraço, montava o telescópio, cuidadosamente guardado. procurava estrelas quase ao acaso. gostava de as encontrar, de se surpreender com as pequenas viagens estelares. sorria timidamente, não duraria até amanhã. e quem se iria importar com um astrónomo que procurava a beleza das coisas pequeninas? aconchegava-se com o cobertor já de estrelas apagadas e deixava-se ficar a chorar baixinho. procurava em si o sentimento especial que o encantava quando era criança (se alguma vez o fora), quando abraçava árvores, quando abraçava…não conseguia lembrar-se…
restava-lhe adormecer sonhando com outras galáxias, fora da cidade coberta de fuligem – decerto que numa delas estariam os seus irmãos. e o seu telescópio iria encontrá-los.

1 comentário:

AR disse...

talvez nao seja atrónomo...talvez seja um ET. Quem sabe, não o vemos a passar de bicicleta, com a sua sombra a desenhar a lua...