domingo, outubro 30, 2005

fantasmas

"tudo isto pertence à linguagem dos fantasmas. (...)
em geral, as pessoas agarram-se à crença de que, por muito más que as coisas fossem ontem, eram melhores do que são hoje. aquilo que eram há dois dias era ainda melhor do que ontem. quanto mais recuas, mais bonito e desejável se torna o mundo. arrancas-te a ti próprio do sono de cada manhã para enfrentar algo que é sempre pior do que enfrentaste no dia anterior mas, ao falares do mundo que existia antes de ir dormir, podes enganar-te a ti próprio e pensar que o dia de hoje é uma simples aparição, nem mais nem menos real que a memória de todos os outros dias que transportas dentro de ti."
no país das últimas coisas, paul auster

talvez não seja mais que isso mesmo, uma linguagem de fantasmas. vivemos a esperança que um dia tivemos e de que hoje estamos despidos. tudo caminhará para o vazio, para o pior de nós e de tudo...continuaremos a ser fantasmas??

lucidez

todos os dias acorda e sente aquilo. tem a sensação que será sempre assim.

deseja ser diferente. todos os dias pensa em como consegui-lo. quer abandonar tudo mas quando o tenta perde sempre o confronto com a impossibilidade da diferença. os dias, os meses, os anos passam e permanece inalterável, na mesma doentia obcessão. é um nada, um fraco, um anormal, freak! observa analiticamente os outros, até à exaustão. vê-os mergulhados numa felicidade fácil e insustentada pela autenticidade. não é feliz, mas também não finge. quer morrer. escreve cartas de despedida arrojadas, de uma eloquência exagerada, que se amontoam pela casa. queria a coragem que não tem! esgota-se pensando como seria o seu último dia, se...perde-se nas suas divagações. sonha sem sentidos, caído no chão.
não sabe quantos dias(?) esteve assim.
vagueia pelas ruas da cidade. o cabelo está comprido oleoso, a barba cresceu-lhe ao acaso,as olheiras vincadas, a roupa amarrotada e suja.as pessoas afastam-se dele. o seu aspecto, o seu cheiro, é insuportável, dá-lhes asco.
grita, chora o seu desespero. admite que perdeu mais uma vez e por uma vez sente-se cheio do seu vazio.
vê o sol através da grade, de uma janela de vidro grosso e escurecido pela falta de lavagem. o erro. nunca considerou o erro de si como hipótese. a consciência e a insconsciência balançam, num perfeito desiquilíbrio. tenta abstrair-se. concentra-se no branco deste tecto, que é diferente. quer adormecer e deixar-se ir. mas sabe que amanhã voltará a sentir. aquilo. será sempre assim. este lugar é apenas mais um. uma conspiração. será...

sábado, outubro 29, 2005

desaparecidos

a ficção nunca é inventada. é sempre o reflexo de uma realidade qualquer. nós é que ainda não tivemos oportunidade de a conhecer.

não pensei em tomar para mim a tua angústia. esse nó interior. a constatação de que tudo o que fizesse seria invisível, indiferente, totalmente irrelevante embora nos tivessemos convencido que acreditavamos que desta vez seria diferente.
os dias passam. hoje poderia ser ontem ou amanhã. todos os dias se confundem, só é possível distingui-los pelo desespero maior que nos domina.
se pudesse daria os gritos que não deste, choraria as lágrimas que não choraste, faria a justiça... talvez mais num ímpeto egoísta de me libertar da tua verdade e deste desconforto que não se explica.
sempre que penso em ti, regresso àquela dor. sim, dor.

agradeço-te pelo amor que me dedicaste. sei que nunca me abandonaste mas os teus cães de papel esgotaram-se. (tu também te esgotaste, não te poderia exigir mais do que foste) talvez não pudesse ser encontrada. e agora foste tu que desapareceste, morreste. sabia que irias morrer. a tua vida era feita de procurar-me. as evidências levaram-te a julgar-me impossível.
passou muito tempo desde a última vez que nos abraçámos.
vivo pela recordação do teu amor.já nem recordo o teu rosto.

(depois de "alice")

sábado, outubro 22, 2005

hoje...

hoje, pela primeira vez, soube-me bem o cheiro da chuva...

domingo, outubro 09, 2005

um bicho esquisito!

sou um bicho esquisito.
colecciono sentimentos e emoções, o que é cada vez mais raro, e ainda por cima são considerados o lixo do mundo. a minha vida de bicho nunca foi muito para além disso, mas dou-me por satisfeito.
acordo de manhã para mais um dia, a saborear as minhas preciosidades. são dias quase sempre iguais, a única diferença é que morri um bocadinho e talvez tenha sido durante a noite, até porque tenho sempre pesadelos. Já equaconei a hipótese de não dormir, mas como vou morrer de qualquer maneira achei que não valia a pena. e para mais esses sonhos ruins fazem-me sentir que o meu coração ainda bate.
acho que gosto de ser um bicho assim.
sou feio. assim poucos se aproximam de mim e ainda bem. também não iria acrescentar nada a ninguém, só se fosse uma emoção, mas hoje não há alguém que as queira. gosto de ser ridículo e idiota. Só esperam de mim coisas ridículas e idiotas, também não queria que esperassem mais, apenas dou o que posso dar, esses juízos estão na cabeça de quem os faz. enfim levo uma vida pacata. às vezes importunada por perguntas estranhas mas é isso que lhe dá graça e alguma agitação.
é bom ser-se um bicho assim, com poucas responsabilidades. procuro apenas ser feliz.
vivo na paz dos bichos, que é o mesmo que dizer na paz de espírito. vejo que tudo para além de mim é belo e todas as insignificâncias são significantes, a casualidade talvez exista e agrada-me pensar assim. convenço-me diariamente que sou livre, apesar de pensar que lá bem no fundo não o serei. portanto, considero-me feliz.
vivo numa lua colorida, claramente visível no cinzento do resto do lixo.
olha alguém deitou fora mais uma emoção. foi a paixão...provo um pouco e sabe-me bem. é quente. olha aí vem mais qualquer coisa é a amizade, hum...desta já tenho qualquer coisa...espera, ainda há mais...ah! é a justiça, era mesmo o que estava a precisar e também um pouco de beleza, isso é que ainda não tenho...

é bom ser assim, um bicho esquisito!

quem sou eu?

perguntas-me quem sou eu, catavento. e que estranho me soa essa pergunta. eu sou eu e nada mais. sou uma parte de qualquer coisa. eu sou um eu virtual que não existe para além daqui. o meu mundo é este. o meu nada e o meu tudo. o meu universo é ora limitado ora ilimitado.às vezes é, outras vezes não é. mas eu apenas estou aqui. e sou aqui. talvez seja por isso que ninguém me pode encontrar. porque estou longe de todas as realidades excepto desta, que não existe!! ainda me perguntas quem sou?